Dezembro tinha chegado finalmente e em breve os cheirinhos e os sabores tão desejados do Natal.
O Natal da minha infância começava com quinze dias de antecedência. A casa enchia-se de cores, eram os arranjos sobre as mesas e os aparadores que as mãos da Avó esculpiam como verdadeiras obras de arte.
A árvore de ramos verdes e agulhados, que quase chegava ao tecto da sala e da qual pendiam bolas coloridas, pássaros dourados, bonecos de neve, palhacinhos, cornetas... E o presépio, preparar o presépio era o ritual que eu mais gostava. As crianças da casa iam com o Avô buscar o musgo ao jardim, este era colocado em cestinhos que cada qual levava para depois ser distribuído pelo chão da sala, onde juntos construiríamos a verdadeira história do Natal.
Lembro que no meu cesto vinha sempre pouco musgo, costumava perder-me com pedrinhas, flores raras e cogumelos. Aos cogumelos achava-os fascinantes, pareciam chapéus-de-sol ou de chuva, quem sabe protegiam seres mágicos… Houve até um ano em que um dos meus cogumelos ficou a proteger o Menino Jesus. O Avô achava piada às minhas invenções e eu penso que foi o presépio mais bonito que fizemos.
Mas o que eu gostava mesmo era de colocar a banda de música perto da cabana do menino. Parecia-me tão bonita a ideia de o nascimento de alguém ser festejado com música. A banda tinha um músico que tocava realejo a sério, era tão bonita aquela música…era como se traçasse um caminho para o sonho, a verdadeira essência da vida. Parece-me ainda ouvi-la, vem de um tempo longe, muito longe.
Como longe estão alguns dos que muito me amaram.
Todas as mãos que destinavam, cores, cheiros e sabores ao meu Natal, tinham desaparecido num tempo já passado. As da Avó e da Ana que tinha mãos de fada para a doçaria. Mãos que sabiam de bolos e doces cujos sabores estão já arrumados na memória. O bolo de figo, os formigos e o arroz doce os meus preferidos, ninguém sabia faze-los como Ana. Os doces iam sendo distribuídos pelos aparadores, intervalados com ramos de azevinho e pratinhos com gomos de tangerina dispostos em forma de meia-lua, estes seriam para acidular de vez em quando as doçuras.
Depois vinham os primos, os tios, os amigos, finalmente era Natal. Que saudades de tudo aquilo, das corridas pela casa, das brincadeiras, das canções tocadas pela Avó ao piano… Onde estava tudo aquilo?
Aquela felicidade da menina que fora…