quinta-feira, 27 de setembro de 2012

MANHÃS NO CHÃO






Aceitar o dia. O que vier.
Atravessar mais ruas do que casas,
mais gente do que ruas. Atravessar
a pele até ao outro lado. Enquanto
faço e desfaço o dia. O teu coração
dorme comigo. Agasalha-me as noites
e as manhãs são frias quando me levanto.
E pergunto sempre onde estás e porque
as ruas deixaram de ser rios. Às vezes
uma gota de água cai ao chão
como se fosse uma lágrima. Às vezes
não há chão que baste para a enxugar.

Rosa Alice Branco

terça-feira, 25 de setembro de 2012

MANHÃ COM CHEIRO A CHUVA E ÁRVORES LAVADINHAS






Foi quando hoje pela manhã ao entrar na sala o Afonso disse:

- Professora, lá fora cheira a chuva!

Que os meninos se puseram a pensar, que cheiro seria esse?! A que cheira a chuva?

E de entre tudo o que disseram; que cheirava a frescura, a verde, a perfume da terra… ouvi da vozinha da Filipa:

- Também cheira a árvores lavadinhas! 

Talvez porque tenha sentido sobre si o olhar de toda a turma, a menina explicou:

- É assim como quando nós tomamos banho e ficamos a cheirar bem!

Como a chuva tivesse dado tréguas por momentos, fomos até ao recreio.

Os meninos imitaram árvores à chuva dançando ao sabor do vento. E mesmo sonhando-se árvores desenharam-se de guarda chuvas cheios de cores.


domingo, 23 de setembro de 2012

RELATIVIDADE





Que me importa
que para lá da janela
o mar grite
o vento despenteie a areia
nele voem as conchas da praia
e o outono chegue a passinhos de chuva.

Se por entre os lençóis
mora ainda a luz quente e larga de agosto
a sombra que veste as árvores
o gosto selvagem das amoras
a doçura das ameixas
a frescura do rio
e no meu jardim
há ainda rosas por colorir
à espera que chegues.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

CONVERSA DE ÁRVORES


( Imagem retirada da web)



Foi num destes dias quando abri a janela para deixar entrar a manhã e o mar.

Ouvi alguém à conversa, mas curioso, não se via viva alma.

A praia estava deserta e por debaixo da janela também não havia ninguém. Olhei em volta, mas por mais que os meus ouvidos procurassem não, não conseguiam descobrir quem conversava.
Certo é que continuava a ouvir vozes…

Só podia estar a imaginar coisas! As vozes vinham do recreio da escola que ficava mesmo ao lado da minha janela. Mas estávamos em férias, quem conversaria por ali?! Procurei descobrir alguém por entre as folhas dos enormes Plátanos que moravam no recreio, espreitei e definitivamente, não havia mesmo ninguém por ali. Por momentos pensei que as árvores conversavam entre si e sorri! Que ideia mais disparatada! Mas não tinha tido ainda tempo de acabar de pensar, quando tive a certeza que era mesmo uma conversa de árvores.

- Tenha juízo menina! As árvores estão cobertas de folhas, não de estrelas! Nunca ouvi um disparate maior! Querer estrelas-do-mar nos ramos em vez de folhas!

- Mas são tão bonitas! E porquê que todas as árvores hão-de ter folhas?!

- Ora, ora para fazer sombra, para deixar-se pentear pelo vento e tombar com elegância no outono.

- Mas uma sombra de estrelas seria maravilhosa! E quando o outono trepasse pelas árvores, as estrelas cairiam e o chão ficaria lindo! Um chão coberto de estrelas-do-mar… dizia a árvore mais jovem.

- Por favor comadre, ajude-me, que já estou a ficar com os ramos agitados! Diga a esta cabeça voadora que uma árvore é para o que nasce, e ponto final! Pedia a árvore mais velha.

- Bom, comadre, lamento discordar de si. Sobretudo no ponto final!

- Já vi estrelas nos olhos de alguns meninos que no tempo de escola brincam neste pátio. E como brilham! Pois se brilham nos olhos dos meninos, porque não podem brilhar nos ramos e no coração de uma árvore?!

- Ouvi até dizer, que as nossas primas que vivem no fundo do mar, têm não só estrelas nos ramos, mas búzios, mil conchinhas, algas de todas as cores. Dizem que há até árvores que dão peixes!

- Eu cá não me importava nada de dar peixinhos vermelhos! A árvore dos peixes vermelhos… ai!

- Valha-me Deus! A quem fui eu pedir ajuda! Sempre pensei que a comadre tivesse um pouco mais de tino! Uma quer estrelas nos ramos e a outra peixes!

- Não se apoquente comadre!
Eu gosto das minhas folhas e dos pássaros que se desprendem delas! Gosto de morar aqui no recreio da escola. E sabe que mais? Já tenho saudades dos meninos. Mas não vejo mal nenhum em querer ser diferente. E se não sonhamos comadre, a vida não vale a pena!

domingo, 16 de setembro de 2012

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

APENAS BRISA


Apanhei num fim de abril
início de maio
as papoilas
que guardei para ti
e de que nenhum outono
tem memória.
Agora que o trigo descansa na eira
as uvas se fecham no lagar
e o milho se apruma para a colheita.
Se me perguntares
porque mudei
as papoilas de estação
dir-te-ei que afinal
elas são apenas brisa
guardada em mim.