Conversava com uma amiga sobre flores preferidas. Ela achava ser quase “pecado” ter preferência por esta ou aquela, pois se são todas tão belas!
Das flores, prefiro as silvestres. As que nascem sem ser semeadas, livres, que lançam cores e exalam perfumes em jardins espontâneos, talvez por isso os mais belos. Das que nascem em locais pouco previsíveis, e que quando as olhamos, nos fazem ter a certeza, que o impossível não existe!
E de miosótis, já olharam bem os miosótis quando estão juntinhos? Não parecem mesmo pedacinhos de céu?!
“Só esta expressão rosas silvestres já me faz aspirar o ar como se o mundo fosse uma rosa crua. Tenho uma grande amiga que me manda de quando em quando rosas silvestres. E o perfume delas, meu Deus, me dá ânimo para respirar e viver.
As rosas silvestres têm um mistério dos mais estranhos e delicados: à medida que vão envelhecendo vão perfumando mais. Quando estão à morte, já amarelando, o perfume fica forte e adocicado, e lembra as perfumadas noites de lua de Recife. Quando finalmente morrem, quando estão mortas, mortas----aí então, como uma flor renascida no berço da terra, é que o perfume que se exala delas me embriaga. Estão mortas, feias, em vez de brancas ficam amarronadas. Mas como jogá-las fora se mortas, elas têm a alma viva? Resolvi a situação das rosas silvestres mortas, despetalando-as e espalhando as pétalas perfumadas na minha gaveta de roupa.
Da última vez que minha amiga me mandou rosas silvestres, quando estas estavam morrendo e ficando mais perfumadas ainda, eu disse para meus filhos:
- Era assim que eu queria morrer: perfumando de amor.
Morta e exalando a alma viva.
Esqueci de dizer que as rosas silvestres são de planta trepadeira e nascem várias no mesmo galho. Rosas silvestres, eu vos amo. Diariamente morro por vosso perfume.”
Clarice Lispector - "A Descoberta do Mundo"
Sem comentários:
Enviar um comentário