domingo, 9 de maio de 2010

Lugares e Livros


Timidamente empurrou a porta da biblioteca. Nunca conseguia abri-la de uma só vez. Sempre que ali chegava, respirava fundo, colocava a mão no puxador e empurrava a porta muito devagar…
Afinal, preparava-se para entrar no santuário do Avô.
Quando finalmente a porta abria, sentia o Avô à secretária tomando notas de mais um livro que acabara de ler…
Claro que o Avô já não estava à secretária, nem lhe leria mais nenhum livro sentando-a ao colo na cadeira de balanço, mas mesmo assim, o Avô continuava vivo em cada canto daquele lugar.
Engraçado, cada vez que ali entrava, as memórias afluíam de tal forma em catadupa que por vezes sentia-se como que dentro de uma máquina do tempo regressando ao passado.
Conhecia todos os cantos e todos os livros da biblioteca. Sabia os preferidos do Avô. Eça de Queiroz, Aquilino Ribeiro, Teixeira de Pascoaes, García Lorca, Walt Whitman, Juan Ramón Jimenez…
Cecília Meireles, como adorava que o Avô lhe lesse a sua poesia!
De olhos fechados acerca-se da janela que dá para o rio, parece-lhe ouvir o Avô declamando Cecília…

“ Sou entre flor e nuvem,
Estrela e mar.
Por que havemos de ser unicamente humanos,
Limitados em chorar?”

- Parece impossível menina! É tal e qual o seu Avozinho! Quando entram aqui, esquecem que o mundo existe!
Trouxe-lhe um leite e umas bolachas, como não desceu para o jantar!
A voz de Dona Ana fê-la regressar à realidade.
Mas continuava ali, junto à janela, não tencionava ir a lugar nenhum, ficaria até o sono chegar, aliás, não seria a primeira vez, que adormecia na cadeira de balanço.
Como gostava daquele lugar!
É verdade que a casa tinha outros lugares maravilhosos. O jardim de Inverno, a varanda do seu quarto…
Mas a biblioteca, era sem dúvida, o lugar preferido da casa dos Avós.
Pousou os olhos sobre as estantes. Lembrou as viagens do Avô ao Porto, onde percorria todas as livrarias e alfarrabistas, sempre á procura de novos tesouros.
E quantos tesouros estavam ali à sua frente…
Claro que só lera uma pequenina parte, do que ali havia. Esperava ter tempo de ler muito mais. O Avô tinha-lhe dito que nunca conseguiríamos ler todos os maravilhosos livros que existem no mundo. Ela já tinha lido alguns e estava disposta a tentar mais uns quantos!
Sem saber muito bem porquê, dirigiu-se à estante e retirou, Mar absoluto/Retrato Natural" de Cecília Meireles, apetecia-lhe ler o poema que o Avô declamava à pouco…

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