quarta-feira, 31 de julho de 2013

COMO A UM LIVRO PREFERIDO...


( imagem retirada da web )



Gosto de pensar-te
como a um livro preferido
onde desfolho maravilhas
que leio e”desleio”
vezes sem conta
onde as palavras
me tocam como beijos
e se desfazem
em flocos de ternura

Um livro
que me leva no tempo
aos teus lugares
onde há sol
nas manhãs nebulosas
onde procuro conchas
para guardar-te o verão…

Um livro
que dorme no meu travesseiro
e te leva histórias
da minha praia
em barcos de papel.

domingo, 28 de julho de 2013

ESTA FRÁGIL ESCOLA QUE SOMOS...






Hoje desaprendo o que tinha aprendido ontem
E que amanhã recomeçarei a aprender.
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinza efêmera:
todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.

Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência
dos alicerces às torres, sabendo que é trabalho sem termo.
E do alto avisto os que folgam e assaltam, dono de riso e pedras.
Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer.

De um lugar que não se alcança, e que é, no entanto, claro,
minha verdade, sem troca, sem equivalência nem desengano
permanece constante, obrigatória, livre:
enquanto aprendo, desaprendo e torno a aprender.

Cecília Meireles

quinta-feira, 25 de julho de 2013

AGORA QUE CRESCERAM " E DEIXARAM OS MEUS BRAÇOS PARA TRÁS?! "






Agora
as palavras são mesmo impossíveis ao desenho.
Como vou eu contar em palavras
a cumplicidade
a ternura
a alegria
por vezes a tristeza...
Como vou desenhar
histórias felizes
de árvores
pássaros
flores do campo
borboletas
bichos de conta
estrelas do mar
conchas misteriosas...
Como vou contar
dos abraços
das pedrinhas
dos desenhos de mim
das folhinhas que eram, barcos, aviões...
dos mil e um presentinhos
que deixavam as mãos e os bolsos dos meninos
para fazer montinhos na minha mesa e no meu coração.
Como vou desenhar
todas as coisas que fizemos antes de crescer?
Como se desenham
batalhas de almofadas
um guarda chuva barco
casas com o coração aceso
palácios que não existem
fadas que saem de livros
livros que são escolhas de fadas...
E  como vou lembrar aos meninos
que ler e escrever no papel
são as coisas que menos importa?
Agora que cresceram “e deixaram os meus braços para trás?!”




domingo, 21 de julho de 2013

RECADO NA LUA


( Imagem retirada da web )


Como não sei onde estás
pedi à lua encantada
que me bordasse  um recado
na beira da tua almofada

Só pra dizer; Que te gosto
um recado a ponto pé-de-flor
que desenhe beijos e abraços
te fale do meu muito amor

Por favor abre a janela
e deixa o luar entrar
deixa que a lua faça
o que eu só posso sonhar

Antes de continuar a sonhar
diz, diz que recebeste o meu recado!

segunda-feira, 15 de julho de 2013

A PROPÓSITO DE POEMAS DE E SOBRE GATOS





Se o “ Bigodes de Arame” soubesse ler…
Podia emprestar-lhe, (primeiro, teria de o fazer jurar que me devolvia o livro), uma antologia de poesia sobre gatos.
É da Assírio & Alvim, e reúne, poemas de, Eugénio de Andrade, Paul Éluard, Fernando Pessoa, Baudelaire, Nuno Júdice, Pablo Neruda, Alexandre O´Neill…
Ou um outro livro maravilhoso de, Ferreira Gullar, “ Um Gato chamado Gatinho”.
Pelo sim pelo não, vou deixar aqui dois poemas que talvez encham de curiosidade outros gatos… E os façam procurar os livros.




ODE AO GATO

Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de  cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça vôo.
O gato,
só o gato apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato do bigode ao rabo,
do pressentimento  à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.

Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma  coisa
só como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite .

Oh pequeno imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o  terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.

Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo  gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
certamente não há
enigma na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gato, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos do seu gato.

Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e o seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica
o gineceu com os seus extravios,
o pôr e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos têm números de ouro.


                                                                                Pablo Neruda
                                                                                                                                               




O ron-ron do gatinho

O gato é uma maquininha
que a natureza inventou;
tem pêlo, bigode, unhas
e dentro tem um motor.

Mas um motor diferente
desses que tem nos bonecos
porque o motor do gato
não é um motor elétrico.

É um motor afetivo
que bate em seu coração
por isso ele faz ron-ron
para mostrar gratidão.

No passado se dizia
que esse ron-ron tão doce
era causa de alergia
pra quem sofria de tosse.

Tudo bobagem, despeito,
calúnias contra o bichinho:
esse ron-ron em seu peito
não é doença - é carinho.

                                                               Ferreira Gullar