Quem gosta de ler sabe
que os livros são como casinhas para morar.
Alguns são como casas
em que gostamos de demorar e outros há em que apetece morar toda a vida. Talvez
haja os que são como casas de férias, casas de amigos… Ah! E aqueles que quando
abrimos a porta temos a certeza que não interessa demorar.
Há ainda os que nos
permitem morar nas nuvens, na lua, em grutas marinhas, em conchas…
Claro que quem não
gosta de ler limita-se a viver em casas vulgares, com paredes, telhado…
Casas que ganham muito
pó que não é de livros e onde nunca entra nem o sol nem o sonho.
Foi com o propósito de
levar os que não gostam de ler a mudar de casa que a minha amiga Alzira me
convidou a aparecer na escola sede, com dois ou três livros onde apetecesse morar.
A ideia era ser fotografada
com os livros mais preferidos e a foto iria juntar-se à de outros professores e
demais elementos da comunidade nas paredes da biblioteca.
Confesso que a minha
primeira reação foi declinar o convite. Nunca fui muito fotogénica e tenho pra
mim que é algo que piora com a idade. Mas esse era o problema menor. Que livro
escolheria eu?! A dificuldade prendia-se com o número, eu não tenho só dois ou
três livros preferidos!
- Bom, quem diz dois
ou três… Tu é que sabes. Disse-me a Alzira!
Mas olha que a causa é
muito nobre. Quem sabe os teus livros não se tornam nos livros de outros!
Mal sabia a Alzira de
como detesto emprestar os meus livros!
Eu sei! Ser invejosa é
uma coisa terrível! Mas não consigo evitar! Os meus livros estão cheios de
anotações, sugestões, florinhas… E como vou eu separar-me de livros que não se
deixam ler?! Como vou emprestar o meu, “Coração de Vidro” de José Mauro de Vasconcelos?
É que se me apetece ver,” a manhã a espreguiçar-se vagarosa e a distender os
dedos alvos sobre cada folha.” Ou se me apetece navegar no, “ Mar Absoluto” de
Cecília Meireles, ou se antes me apetece ler em Clarisse Lispector, como é bom
um livro de se comer, ou de se dormir…
Talvez eu queira redescobrir,
como” são livres as palavras de gramaticar”, em Manoel de Barros.
Ou quem sabe, hoje me
encante com uma” Carta, “de Katherine Mansfield.
Ou…
Bem, a Alzira tinha
razão. Fazer nascer leitores é causa nobilíssima, além do mais, os livros eram
só para fotografar…
Mas será que uma mochila
cheia de livros não era demais?!
Paciência! Nestas como
em quase todas as coisas, vale mais pecar por excesso que por defeito!
E lá apareci no clube
de fotografia com uma mochila carregada de livros!
Ao contrário de quase
todos os outros participantes, cujas mãos chegaram para segurar os livros preferidos,
eu precisei de uma ajudinha dos alunos do clube de fotografia.
Podia ter levado só um
livro de, José Mauro de Vasconcelos, mas entre,” Coração de Vidro”, “ Vamos
Aquecer o Sol”, e “ O Palácio Japonês”. Não consegui deixar nenhum fora da
foto.
Nem podia deixar de
levar, “ A Menina do Mar” de Sophia, nem tão pouco, “O Palhaço verde” de
Matilde Rosa Araújo.
Nem as, “Crónicas de A-Ver-O-Mar
“ de Luísa Dacosta. “ A Rainha dos Frutos”, de Nuno Higino…
Alguns livros, tive
de segurá-los no colo e acabei a falar deles com os alunos, que me perguntavam
se conseguia lembrar-me do que diziam todos os livros, que eles achavam muitos
e eu dizia serem muito poucos.
Claro que me lembro de
tudo o que dizem! Não é à toa que tenho uma casa em cada um deles!